quarta-feira, abril 05, 2006

"As Farpas" - actuais

"Há muitos anos a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens sempre os mesmos, alternadamente, possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder... O poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, numa explosão de risadas.
(...)
Os cinco que estão no poder, fazem tudo o que podem - intrigam, trabalham, para continuar a ser os esbanjadores da fazenda e a ruína do país, durante o maior tempo possível! E os que não estão no poder movem-se, conspiram, cansam-se para deixar de o ser - o mais depressa que puderem - os verdadeiros liberais e os interesses do país!
Até que enfim caem os cinco do poder, e os outros - os verdadeiros liberais - entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da fazenda e ruína do país, e os que caíram do poder, resignam-se cheios de fel e de amargura - a vir a ser os verdadeiros liberais e os interesses do país."

Moral da história: "quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna para governar o seu país".


No século XIX, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão brindaram o povo com as "Farpas". Este pedaço de texto foi retirado de um dos seus artigos. Curiosamente mantém-se actual.

Eu assino
Nuno Araújo

2 comentários:

  1. Sou um admirador e leitor do Eça desde a minha adolescência.
    A sua crítica fina, as análises sociais e, sobretudo, a sua actualidade, fazem com que continue a ser uma das melhores fontes para todos quantos querem perceber e interpretar a natureza humana (desde a política às questões mais íntimas...).

    Porém, convém não esquecer que estamos no século XXI. É certo que continua a haver muito caciquismo. É certo que a natureza humana não mudou assim tanto. Mas, ao contrário da época queirosiana, muita coisa mudou a nível social e político.

    Temos um democracia. Jovem, é certo, mas com uma constituição e organismos independentes dos governos que podem actuar e fazer "valer" as leis.

    Temos meios de comunicação livres. De várias tendências e alguns entregues a grupos de (fortes) interesses, mas também há mecanismos reguladores que garantem razoáveis níveis de isenção e garantia de que, de um modo geral, há independência desses meios face ao poder.

    Finalmente, hoje (muito mais do no tempo do Eça), nos meios menos "abertos" (leia-se, a província de Eça) em que os tais "senhores fulano de tal" têm as suas "quintinhas" - em OA, os seus "olivais" - é possível "lutar" pela conquista dos "seus" poderes e "apeá-los".

    É difícil? Concordo.

    Demora tempo? Já foi pior...

    É possível? Julgo, sinceramente que sim.
    Pode parecer um lugar comum, mas em Oliveira de Azeméis também há gente com visão e estratégia para levar a cabo esse desiderato.
    É preciso "arregimentá-la", é preciso envolvê-la, é preciso motivá-la e, acima de tudo, é preciso chegar junto do cidadão comum e dar-lhe a conhecer outras formas de resolver os seus (muitos) problemas para que ele confie e sinta que vale a pena mudar de políticos.

    É utópico?
    Talvez. Mas, com o vida, aprendi a lutar sempre por aquilo que achava difícil de atingir.

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  2. As Farpas do nosso tempo, nesta terra também castigada por Eça de Queiroz (refiro-me ao seu livro "A Capital"), são dadas aqui no blog Forum-Azeméis.

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