No dia em que o sr. Abílio Santos (o sr. Abílio da Câmara) se finou, entendi prestar-lhe uma singela homenagem publicando de novo um texto que publiquei aqui e em 'A Voz de Azeméis' há cerca de onze meses.
"O senhor Abílio da Câmara
Ainda soam os ecos da nova Biblioteca Ferreira de Castro e uma lembrança ocorre-me: a da importância que a Biblioteca Gulbenkian e o senhor seu responsável teve na minha inicial formação cultural.
Já se passaram mais de quarenta anos do dia que franqueei pela primeira vez a porta da Biblioteca Gulbenkian que existiu no gaveto da Rua Ernesto Pinto Basto com a Rua que segue para a Abelheira, ali bem perto dos Bombeiros Voluntários e da Igreja Matriz.
Um corredor de acesso, um silêncio sepulcral e, maravilha das maravilhas, livros, muitos livros. Um senhor, sentado qual professor à secretária, registou os meus dados pessoais numa ficha. De onde era, de quem era. O senhor enunciou as regras. Quantos livros poderia requisitar, qual o tempo máximo do empréstimo e por aí fora.
Burocracia cumprida, eis-me a olhar, deslumbrado, para tantos livros, muito alinhados quais soldados em formação guerreira. Sôfrego, apontei o olhar de estante em estante, de prateleira em prateleira. Que livro escolher ? Este, de lombada castanha, espesso, com um papel sedoso ? Ou aqueloutro, não tão volumoso, sem tantas palavras mas com gravuras, imagens ?
E havia o silêncio, sempre o silêncio, como se ninguém mais ali estivesse. O silêncio em respeito pelos livros e por respeito aqueles que sabiamente os tinham escrito. Sim, porque só pessoas muito inteligentes é que eram capazes de escrever tantas palavras, tantas frases. Mundo novo para mim. O silencia dos lugares sagrados.
O senhor que me recebeu, que escrevinhou os meus singelos dados numa ficha de cartão, abeirou-se de mim. Se eu precisava de ajuda, questionou-me. Respondi que sim. De um jeito muito carinhoso passeou-me ao longo das estantes. Foi-me explicando como estavam arrumados os livros, quais os temas. Até que me fez deter na última estante, dizendo-me: para ti, para a tua idade, são estes os livros que podes escolher. Hábil, fez-me uma breve inquirição. Prosseguiu: talvez te aconselhe este, aquele ou mesmo aqueloutro. Segui o conselho. Procedi à minha primeira requisição. Confesso que não me recordo do nome do livro mas não é assim tão importante.
Dia seguinte, pelas seis da tarde, hora a que a Biblioteca abria, ali estava eu. Para devolver o livro. O senhor, revelando alguma admiração pela minha presença apenas um dia volvido, simpaticamente perguntou-me se não tinha gostado, sim, não era habitual um leitor voltar no dia seguinte. Que já tinha lido o livro, que queria requisitar outro. Porque não ? E lá fui até à prateleira do fundo, ao meu novo mundo encantado e de descoberta.
O senhor da Biblioteca passou a autorizar que em vez de um pudesse eu passar a levar dois. De quando em vez, o senhor sugeria-me este ou aquele livro, simpaticamente negava-me (é o termo) um outro que já tinha em mãos.
Então o senhor dos livros não tem nome ?.
Ah, claro.
O senhor da Biblioteca, naturalmente, tem nome: Abílio Santos. Sim, o sr. Abílio da Câmara.
O sr. Abílio Santos, tinha o seu ofício (de responsabilidade acrescida como Tesoureiro de contas certas) e ao final do dia, noite adentro, tinha a seu cargo a Biblioteca Fixa nº 62 (?) da Gulbenkian (que substituiu a Biblioteca Itinerante, uma carrinha Citroen que de xis em xis dias vinha até Azeméis).
Para além das entradas e saídas em escudos, o sr. Abílio também era entendido em livros, em escritores. Dava um conselho a quém o pedisse, uma orientação. Gostava de ter as opiniões dos leitores aquando da entrega do livro.
(…)
Anos mais tarde, tendo eu por comparsa e companheiro um dos seus filhos , o Zé Santos, beneficiei da sua bondade e ali pudemos estudar muitas tardes , eu e o Zé, antes da abertura da Biblioteca aos utentes.
Mais tarde percebi que aquela permissão era uma (pequena) transgressão às regras. Mas uma transgressão proveitosa para mim pois ali, naquele pequeno mundo silencioso, tinha, por exemplo, algo que não tinha na minha modesta casa: uma mesa e boa luz. Ah! E claro, livros muitos livros.
Bem haja, sr. Abílio.
Ainda soam os ecos da nova Biblioteca Ferreira de Castro e uma lembrança ocorre-me: a da importância que a Biblioteca Gulbenkian e o senhor seu responsável teve na minha inicial formação cultural.
Já se passaram mais de quarenta anos do dia que franqueei pela primeira vez a porta da Biblioteca Gulbenkian que existiu no gaveto da Rua Ernesto Pinto Basto com a Rua que segue para a Abelheira, ali bem perto dos Bombeiros Voluntários e da Igreja Matriz.
Um corredor de acesso, um silêncio sepulcral e, maravilha das maravilhas, livros, muitos livros. Um senhor, sentado qual professor à secretária, registou os meus dados pessoais numa ficha. De onde era, de quem era. O senhor enunciou as regras. Quantos livros poderia requisitar, qual o tempo máximo do empréstimo e por aí fora.
Burocracia cumprida, eis-me a olhar, deslumbrado, para tantos livros, muito alinhados quais soldados em formação guerreira. Sôfrego, apontei o olhar de estante em estante, de prateleira em prateleira. Que livro escolher ? Este, de lombada castanha, espesso, com um papel sedoso ? Ou aqueloutro, não tão volumoso, sem tantas palavras mas com gravuras, imagens ?
E havia o silêncio, sempre o silêncio, como se ninguém mais ali estivesse. O silêncio em respeito pelos livros e por respeito aqueles que sabiamente os tinham escrito. Sim, porque só pessoas muito inteligentes é que eram capazes de escrever tantas palavras, tantas frases. Mundo novo para mim. O silencia dos lugares sagrados.
O senhor que me recebeu, que escrevinhou os meus singelos dados numa ficha de cartão, abeirou-se de mim. Se eu precisava de ajuda, questionou-me. Respondi que sim. De um jeito muito carinhoso passeou-me ao longo das estantes. Foi-me explicando como estavam arrumados os livros, quais os temas. Até que me fez deter na última estante, dizendo-me: para ti, para a tua idade, são estes os livros que podes escolher. Hábil, fez-me uma breve inquirição. Prosseguiu: talvez te aconselhe este, aquele ou mesmo aqueloutro. Segui o conselho. Procedi à minha primeira requisição. Confesso que não me recordo do nome do livro mas não é assim tão importante.
Dia seguinte, pelas seis da tarde, hora a que a Biblioteca abria, ali estava eu. Para devolver o livro. O senhor, revelando alguma admiração pela minha presença apenas um dia volvido, simpaticamente perguntou-me se não tinha gostado, sim, não era habitual um leitor voltar no dia seguinte. Que já tinha lido o livro, que queria requisitar outro. Porque não ? E lá fui até à prateleira do fundo, ao meu novo mundo encantado e de descoberta.
O senhor da Biblioteca passou a autorizar que em vez de um pudesse eu passar a levar dois. De quando em vez, o senhor sugeria-me este ou aquele livro, simpaticamente negava-me (é o termo) um outro que já tinha em mãos.
Então o senhor dos livros não tem nome ?.
Ah, claro.
O senhor da Biblioteca, naturalmente, tem nome: Abílio Santos. Sim, o sr. Abílio da Câmara.
O sr. Abílio Santos, tinha o seu ofício (de responsabilidade acrescida como Tesoureiro de contas certas) e ao final do dia, noite adentro, tinha a seu cargo a Biblioteca Fixa nº 62 (?) da Gulbenkian (que substituiu a Biblioteca Itinerante, uma carrinha Citroen que de xis em xis dias vinha até Azeméis).
Para além das entradas e saídas em escudos, o sr. Abílio também era entendido em livros, em escritores. Dava um conselho a quém o pedisse, uma orientação. Gostava de ter as opiniões dos leitores aquando da entrega do livro.
(…)
Anos mais tarde, tendo eu por comparsa e companheiro um dos seus filhos , o Zé Santos, beneficiei da sua bondade e ali pudemos estudar muitas tardes , eu e o Zé, antes da abertura da Biblioteca aos utentes.
Mais tarde percebi que aquela permissão era uma (pequena) transgressão às regras. Mas uma transgressão proveitosa para mim pois ali, naquele pequeno mundo silencioso, tinha, por exemplo, algo que não tinha na minha modesta casa: uma mesa e boa luz. Ah! E claro, livros muitos livros.
Bem haja, sr. Abílio.
Nada, jamais, substituirá o companheiro perdido. Velhos amigos não se criam. Estas amizades não se refazem ao plantar um carvalho, é vã a esperança de poder gozar brevemente da sua sombra.
ResponderEliminarPaz à sua Alma
O Sr. Abilio da tesouraria da camara, foi para mim uma referência, um exemplo de pessoa, na bilheteira do cinema e colega de trabalho muito educado que não esqueço.
ResponderEliminaraté sempre sr. abilio